segunda-feira, 30 de abril de 2012

bolinha de tênis

ela quer comprar um shortinho de ginástica desses de corrida. corrida e ginástica, tudo a mesma coisa. ela quer dois, e uma camisa dry fit (camiseta, blusa, tanto faz) para voltar a jogar tênis. sim, precisa voltar às quadras, sempre precisou. mas para jogar tênis é necessário um outro, e um outro ela nunca aceitou bem. a ideia de um outro, mais do que um outro em si. teve muitos um outros por aí. mas nunca os permitiu entrarem de fato em sua vida. tenta eliminar quase sempre a possibilidade de depender de alguém, de modo que isso não resolve nada: a bolinha precisa ser rebatida. e esse rebate é feito por um outro, um outro que não tem. mas agora sente um não calar de vontade da bolinha amarela e felpuda espirrando saibro em câmera lenta antes de ser batida, deixando impregnar a névoa vermelho-porosa na roupa recém-lavada com omo multiação. cumprindo o traçado perfeito de um outro que não tem, a bolinha vai caindo copiosamente em frente às suas vistas, obrigando-a a uma quase distensão na virilha, que faz desbastar a lateral de fora do seu nike de solado liso. o nike de solado liso, fabricado inclusive por crianças em condições sub-humanas de trabalho nos mesmos barracos escondidos que municiam as lojas de grife da europa. quem se importa? nem ela. não, ela se importa. enquanto bota a wilson na rede, pensa que no fim do ano se candidatará a uma vaga no largo são francisco. alguém precisa ver isso, botar esses filhos da puta na grade. será juíza, mas, antes, precisa fazer aula particular de física e matemática, seus fracos. sabe que, sem isso, não entrará. e precisa de um outro para ajudá-la, um outro qualquer, que terá de cumprimentar, perguntar sobre a família, ocupar o vão de tempo antes de começar a desmistificar o logaritmo. queria não ter de existir, mas existe, e precisa botar sentido nas coisas. física será mais fácil, sabe. tem sentido, lógica e tem afeto. dos tempos de amigos do cursinho, belos desenhos na sulfite, a questão do torque, da pressão, da velocidade. (continua)


terça-feira, 24 de abril de 2012

um

e agora, mais do que sempre, sinto sua falta. aquela falta de dentro, de tudo.
nenê. a mais linda.
a cabeça doi, chacoalha o foco, deixo cair o telefone, meus pés falseiam o pisar.
sinto sua falta. de dentro.
não reclamo, nem clamo.
só aqui dentro.
só entre nós.
só, entre nós.

mistérios de uma jovem desaparecida que passou a ter vertigens diárias

nesse longo caminho nada muda.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

nossa canção

despertou com o azedo de sempre na boca ensopando o peito de dor, ceifando seus pulmões. sobretudo agora sentia aquele cheiro, aquele de que a outra sempre lhe falara, que sempre estivera ali, quase claro aos olhos. impregnando a roupa do dia novo. e que sempre lhe fora em vão. emulava a canção favorita dela, mas a música era o que faltava. foi fazer seu pão-picadinho-com-queijo-e-geléia. recuou dois passos para enxergar melhor, curvou as costas para frente, e sentiu a pinçada.
"fui morta", concluiu.