segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

nossa canção

despertou com o azedo de sempre na boca ensopando o peito de dor, ceifando seus pulmões. sobretudo agora sentia aquele cheiro, aquele de que a outra sempre lhe falara, que sempre estivera ali, quase claro aos olhos. impregnando a roupa do dia novo. e que sempre lhe fora em vão. emulava a canção favorita dela, mas a música era o que faltava. foi fazer seu pão-picadinho-com-queijo-e-geléia. recuou dois passos para enxergar melhor, curvou as costas para frente, e sentiu a pinçada.
"fui morta", concluiu.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

nota biográfica:

a água velha invadia-lhe a boca como que tomando conta do seu mundo. o azedo arrepiava cada poro do seu corpo, assaltando a paz de quinta-feira. 

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

nozes


sobre o quê? talvez, o quê? já não mais era ela mesma. ou aquela que teria querido ser algum dia.

negativo, nunca quisera ter sido “alguém”. não mesmo. experimentava naquele momento uma propulsão, uma tal forma de existir que chegava a se assustar com a capacidade de destituir importância de tudo. jogar o holofote em algo? necas. nada valia. manteve uma relação incestuosa com ela mesma.
batiam 25 horas quando colocava os pés fora daquele lugar, e no seu mundo, nos sete dias da semana existia um oitavo, onde respirava em paz. jogou-se em uma pista mais submersa, onde dançava embalada por uma canção sem som. 
lembrou deles.
olhos fechados, suor a desintegrar-lhe, uma silhueta a expectar a ação descontínua do bater de seus ossos. táttáttáttátt.
vãos ruídos onde nos perdemos.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

ontem


ante todo o silêncio, o grito.
o tempo não passou. itervalou. o espaço entre eles, num átimo de abismo, fez-se. e desfez-se. voltou a urdir, mesmo na impossibilidade de se encararem. transformou-se num ruído de vida. como se tudo – e digo absolutamente tudo - se resumisse num domingo calado de uma tarde cinza. (porque a vida emudece aos domingos, vale lembrar). 
o sol se pondo refletia na mesa encapada com uma toalha quadriculada-azul-bebê-que-doi-a-vida. puída e rasgada. a vida, digo, a toalha. 
era para ser assim?, perguntava-se. desde sempre?, continuava, num sem parar de indagações. 
como o sangue coagulado começasse a dissolver, mergulhou a mão na água fria da correnteza. de uma vida incerta.
baixou a cabeça e pensou pequenininho: "existiu primeiro um destino escolhido; existiu depois uma circunstância propícia". neste momento, o sangue voltou a escorrer de suas mãos. não sentiu nada, a não ser certo amortecimento nos lábios, que lhe roubava os minutos numa espécie de freio contínuo.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

às 17h35


nunca soube ao certo em que momento um amor acaba. sempre ouvira uma corruptela atribuída ao chacrinha, de que só acaba quando termina. ou vice-versa, enfim. mas isso não era a metade da missa para ele, espécie de detetive do sentimento alheio. precisava quantificar, mensurar, botar a régua no holocausto. queria o laudo, para que, enfim - imaginava, crédulo como se aos 16 anos - pudesse purgar toda a dor. e finalmente seguir em frente. afinal, desde cedo decidiu que a alternativa era muito ruim.
-quando a gente sabe que acaba?
-só acaba quando termina
-e quando isso acontece?
-quando perde o sentido estar junto
-e em que momento a gente sabe isso?
-quando o sentido ficou na expectativa, no sonho, e tá longe do hoje.

botou um leonard cohen e foi dormir.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

prazer em conhecer

-qual o seu nome?
-fu
-fu?
-é, fumiga.
-e o seu?
-ota
-ota?
-ota fumiga

espelho mofado


transformou-se em metástase. um núcleo duro, roendo vísceras. tê-lo rasgado a pele e escavado suas entranhas, perdão.
sei que o corte de há pouco ainda doi muito. a mão enfaixada mergulhada n’água - e o corte lá. a voz, ainda que modulada, denunciou o primeiro choro – vi. o corte fora perpendicular à linha da vida, uma cruz mesmo.
mas agora, naquela hora, não. cansara de continuar a falar, a vocalizar um sem número de signos, inventando conteúdo onde deveria apenas morar silêncio.
o corte ainda está aberto, apesar do sangue condensado na atadura. sei que morreria. não mais força, não mais atitude, não mais pulsação, não mais...não.
daqui vejo que o corte se abre um pouco: suspiro pré-morte.
-“mergulha mais, mais” – digo – “assim, bem melhor”.
não quis.
tirou seu coração de dentro do peito com uma só mão. deitou-o na pia, que é de um quase mármore branco (o que seria um quase mármore?). sente-se melhor, parece. está oco, sem poder organizar suas funções vitais, contudo.
não mais circulação, não mais respiração, não sinapses. não mais ele, tampouco.
olhou-se no espelho e ainda encontrou alguma força. fez outro corte com uma faca que no dia anterior já longe lhe servira para passar manteiga no pão quentinho de um dia feliz, quando acordou junto dela. pouco doeu.
o sangue não mais lhe escorria, mas o rasgo tinha sido bem-sucedido. perfeito, diria. com a mesma mão, despiu-se de si mesmo, arrancando a própria pele. viu-se no espelho de bordas mofadas:
"a maresia acaba com tudo por aqui” –  sua última frase.
virou-se e mergulhou seus pequenos braços na privada. depois foi a cabeça, a parte mais difícil. até que entrou. permaneceu por lá algum tempo. não saberia ao certo precisar. enquanto isso, os músculos ficaram à mostra. e o coração, na pia branca de mármore, vazando peso.

cais

eu fui pra te ver