terça-feira, 30 de agosto de 2011

espelho mofado


transformou-se em metástase. um núcleo duro, roendo vísceras. tê-lo rasgado a pele e escavado suas entranhas, perdão.
sei que o corte de há pouco ainda doi muito. a mão enfaixada mergulhada n’água - e o corte lá. a voz, ainda que modulada, denunciou o primeiro choro – vi. o corte fora perpendicular à linha da vida, uma cruz mesmo.
mas agora, naquela hora, não. cansara de continuar a falar, a vocalizar um sem número de signos, inventando conteúdo onde deveria apenas morar silêncio.
o corte ainda está aberto, apesar do sangue condensado na atadura. sei que morreria. não mais força, não mais atitude, não mais pulsação, não mais...não.
daqui vejo que o corte se abre um pouco: suspiro pré-morte.
-“mergulha mais, mais” – digo – “assim, bem melhor”.
não quis.
tirou seu coração de dentro do peito com uma só mão. deitou-o na pia, que é de um quase mármore branco (o que seria um quase mármore?). sente-se melhor, parece. está oco, sem poder organizar suas funções vitais, contudo.
não mais circulação, não mais respiração, não sinapses. não mais ele, tampouco.
olhou-se no espelho e ainda encontrou alguma força. fez outro corte com uma faca que no dia anterior já longe lhe servira para passar manteiga no pão quentinho de um dia feliz, quando acordou junto dela. pouco doeu.
o sangue não mais lhe escorria, mas o rasgo tinha sido bem-sucedido. perfeito, diria. com a mesma mão, despiu-se de si mesmo, arrancando a própria pele. viu-se no espelho de bordas mofadas:
"a maresia acaba com tudo por aqui” –  sua última frase.
virou-se e mergulhou seus pequenos braços na privada. depois foi a cabeça, a parte mais difícil. até que entrou. permaneceu por lá algum tempo. não saberia ao certo precisar. enquanto isso, os músculos ficaram à mostra. e o coração, na pia branca de mármore, vazando peso.

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